27 December 2004

Os dois olhos

"Temos dois olhos.
Com um nós vemos as coisas do tempo, efêmeras, que desaparecem.
Com o outro nós vemos as coisas da alma, eternas, que permanecem."
Assim escreveu o místico Ângelus Silésius.

No consultório do oftalmologista havia uma gravura anatômica de um olho. Científica, verdadeira! Naquela noite o mesmo oftalmologista foi se encontrar com sua bem-amada, olhando apaixonado para os olhos dela, e esquecido da gravura na parede do seu consultório, ele falou: "Teus olhos, mar profundo...". No consultório ele jamais falaria assim. Falaria como cientista. Mas os olhos da sua amada o transformaram em poeta. Cientista, ele fala o que vê com o primeiro olho. Apaixonado, ele fala o que vê com o segundo olho. Cada olho vê certo no mundo a que pertence.

O filósofo Wittgenstein criou a expressão "jogos de linguagem" para descrever o que fazemos ao falar. Jogamos com palavras... Veja o jogo de palavras chamado "piada". O que se espera de uma piada é que ela provoque o riso. Imagine, entretanto, que um homem, em meio aos risos dos outros, lhe pergunte: "Mas isso que você contou aconteceu mesmo?". Aí você o olha perplexo e pensa: "Coitado! Ele não sabe que nesse jogo não há verdades. Só há coisas engraçadas".

Vamos agora para um outro jogo de palavras, a poesia: "...e, no fundo dessa fria luz marinha, nadam meus olhos, dois baços peixes, à procura de mim mesma". Aí o mesmo homem contesta o que o poema diz: "Mas isso não pode ser verdade. Se a Cecília Meireles estivesse no fundo do mar, ela teria se afogado. E olhos não são peixes...".

Pobre homem. Não sabe que a poesia não é a linguagem para dizer as coisas que existem. É jogo para fazer beleza. A ciência também é um jogo de palavras. É o jogo da verdade, falar o mundo como ele é.

Acontece que nós, seres humanos, sofremos de uma "anomalia": não conseguimos viver no mundo da verdade, no mundo como ele é. O mundo como ele é é muito pequeno para o nosso amor. Temos nostalgia de beleza, de alegria e – quem sabe? - de eternidade. Desejamos que as alegrias não tenham fim!

Mas beleza e alegria, onde se encontram essas "coisas"? Elas não estão soltas no mundo, ao lado das coisas do mundo tal como ele é. Elas não são, existem não existindo, como sonhos, e só podem ser vistas com o "segundo olho". Quem as vê são os artistas. E se alguém, no uso do primeiro olho, objeta que elas não existem, os artistas retrucam: "Não importa. As coisas que não existem são mais bonitas" (Manoel de Barros). Pois os sonhos, no final das contas, são a substância de que somos feitos.

Como disse Miguel de Unamuno: "Recuerda, pues, o sueña tu, alma mia lá fantasia es tu sustância eterna lo que no fue; com tus fuguraciones hazte fuerte, que eso es vivir, y lo demás es muerte". É no mundo encantado de sonhos que nascem as fantasias religiosas. As religiões são sonhos da alma humana que só podem ser vistos com o segundo olho. São poemas. E não se pode perguntar a um poema se ele aconteceu mesmo.

Jesus se movia em meio às coisas que não existiam e as transformava em parábolas, que são histórias que nunca aconteceram. E, não obstante a sua não-existência, as parábolas têm o poder de nos fazer ver o que nunca havíamos visto antes. O que não é, o que nunca existiu, o que é sonho e poesia tem poder para mudar o mundo. "O que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?", perguntava Paul Valèry.

Leio os poemas da criação. Nada me ensinam sobre o início do universo e o nascimento do homem. Sobre isso falam os cientistas. Mas eles me fazem sentir amoravelmente ligado a esse mundo maravilhoso em que vivo, do qual minha vocação é ser jardineiro... Leio a parábola do Filho Pródigo, uma história que nunca aconteceu. Mas, ao lê-la, minhas culpas se esfumaçam e compreendo que Deus não soma débitos nem soma créditos...

Dois olhos, dois mundos, cada um vendo bem no seu próprio mundo...

Aí vieram os burocratas da religião e expulsaram os poetas como hereges. Sendo cegos do segundo olho, os burocratas não conseguem ver o que os poetas vêem. E os poemas passaram a ser interpretados literalmente. E, com isso, o que era belo ficou ridículo. Todo poema interpretado literalmente é ridículo. Toda religião que pretenda ter conhecimento científico do mundo é ridícula.

Não haveria conflitos se o primeiro olho visse bem as coisas do seu lugar e o segundo olho visse bem as coisas do seu lugar. Conhecimento e poesia, assim, de mãos dadas, poderiam ajudar a transformar o mundo.

RUBEM ALVES – FSP de 25.12.2004

25 December 2004

Ouvir para aprender

De todos os sentidos, o mais importante para a aprendizagem do amor, da vida em conjunto e da cidadania é a audição. Disse o escritor sagrado: "No princípio era o verbo". Eu acrescento: "Antes do verbo, era o silêncio". É do silêncio que nasce o ouvir.

Só posso ouvir a palavra se meus ruídos interiores forem silenciados. Só posso ouvir a verdade do outro se eu parar de tagarelar. Quem fala muito não ouve. Sabem disso os poetas, esses seres de fala mínima. Eles falam, sim -para ouvir as vozes do silêncio.

Veja esse poema de Fernando Pessoa, dirigido a um poeta: "Cessa o teu canto!/ Cessa, que, enquanto/ O ouvi, ouvia/ Uma outra voz/ Com que vindo/ Nos interstícios/ Do brando encanto/ Com que o teu canto/ Vinha até nós.// Ouvi-te e ouvi-a/ No mesmo tempo/ E diferentes/ Juntas cantar./ E a melodia/ Que não havia./ Se agora a lembro,/ Faz-me chorar". A magia do poema não está nas palavras do poeta. Está nos interstícios silenciosos que há entre as suas palavras. É nesse silêncio que se ouve a melodia que não havia. Aí a magia acontece: a melodia me faz chorar.

Não nos sentimos em casa no silêncio. Quando a conversa pára por não haver o que dizer, tratamos logo de falar qualquer coisa, para pôr um fim ao silêncio. Vez por outra tenho vontade de escrever um ensaio sobre a psicologia dos elevadores. Ali estamos, nós dois, fechados naquele cubículo. Um diante do outro. Olhamos nos olhos um do outro? Ou olhamos para o chão? Nada temos a falar. Esse silêncio é como se fosse uma ofensa. Aí falamos sobre o tempo. Mas nós dois bem sabemos que se trata de uma farsa para encher o tempo até que o elevador pare.

Os orientais entendem melhor do que nós. Se não me engano, o nome do filme em que vi esta cena é "Aconteceu em Tóquio". Duas velhinhas se visitavam. Por horas ficavam juntas, sem dizer uma única palavra. Nada diziam porque no seu silêncio morava um mundo. Faziam silêncio não por não ter nada a dizer, mas porque o que tinham a dizer não cabia em palavras. A filosofia ocidental é obcecada pela questão do ser.

A filosofia oriental, pela questão do vazio, do nada. É no vazio da jarra que se colocam flores.
O aprendizado do ouvir não se encontra em nossos currículos. A prática educativa tradicional se inicia com a palavra do professor. A menininha, Andréa, voltava do seu primeiro dia na creche. "Como é a professora?", sua mãe lhe perguntou. Ao que ela respondeu: "Ela grita...". Não bastava que a professora falasse. Ela gritava. Não me lembro de que minha primeira professora, dona Clotilde, tivesse jamais gritado.

Mas me lembro dos gritos esganiçados que vinham da sala ao lado. Um único grito enche o espaço de medo. Na escola, a violência começa com estupros verbais.

Milan Kundera conta a estória de Tamina, uma garçonete: "Todo mundo gosta de Tamina. Porque ela sabe ouvir o que lhe contam. Mas será que ela ouve mesmo? Não sei... O que conta é que ela não interrompe a fala. Vocês sabem o que acontece quando duas pessoas falam. Uma fala e outra lhe corta a palavra -"É exatamente como eu, eu...'- e começa a falar de si, até que a primeira consiga, por sua vez, cortar -"É exatamente como eu, eu...".

Essa frase parece ser uma maneira de continuar a reflexão do outro, mas é um engodo. É uma revolta brutal contra uma violência brutal: um esforço para libertar o nosso ouvido da escravidão e ocupar, à força, o ouvido do adversário. Pois toda a vida do homem entre os seus semelhantes nada mais é do que um combate para se apossar do ouvido do outro".

Será que era isso o que acontecia na escola tradicional? O professor se apossando do ouvido do aluno (pois não é essa a sua missão?), penetrando-o com a sua fala fálica e estuprando-o com a força da autoridade e a ameaça de castigos, sem se dar conta de que no ouvido silencioso do aluno há uma melodia que se toca. Talvez seja essa a razão por que há tantos cursos de oratória, procurados por políticos e executivos, mas não de "escutarória". Todo mundo quer falar. Ninguém quer ouvir.

Todo mundo quer ser escutado. (Como não há quem os escute, os adultos procuram um psicanalista, profissional pago do escutar.) Toda criança também quer ser escutada. Encontrei, na revista pedagógica italiana "Cem Mondialità" a sugestão de que, antes de iniciarem as atividades de ensino e aprendizagem, os professores se dedicassem por semanas, talvez meses, a simplesmente ouvir as crianças. No silêncio das crianças, há um programa de vida: sonhos. É dos sonhos que nasce a inteligência. A inteligência é a ferramenta que o corpo usa para transformar os seus sonhos em realidade. É preciso escutar as crianças para que a sua inteligência desabroche.
Sugiro então aos professores que, ao lado da sua justa preocupação com o falar claro, tenham também uma preocupação com o escutar claro. Amamos não a pessoa que fala bonito, mas a pessoa que escuta bonito. A escuta bonita é um bom colo para uma criança se assentar...


sabor do saber
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A filosofia ocidental é obcecada pela questão do ser.
A oriental, pela questão do vazio, do nada.
É no vazio da jarra que se colocam flores.
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Rubem Alves - Folha (Sinapse) - 21.12.2004

07 December 2004

Filosofia Prática

O Pragmatismo se ocupa dos problemas do nosso dia a dia neste mundo confuso. A palavra "pragmatismo" tem raízes em: ato, feito.

John Dewey, um grande filósofo do pragmatismo, disse: "a filosofia fica entre o teimosamente imutável passado e o insistente futuro".

Presente de Natal

Hoje li um artigo de Marketing publicado pela Wharton School que fala da "EFICIÊNCIA DE SE DAR PRESENTES!" e se pergunta:

"O que é melhor, dar ou receber presentes?"

Apesar deste artigo ter um enfoque econômico, sob a ótica do Marketing, esta pergunta pode nos fazer pensar neste assunto sob vários ângulos, né?

Deixo para vocês pensarem nisto e comentarem.

02 December 2004

Dedicatória

Gilberto,

Às vezes me ocorre imaginar que meus livros sejam uma espécie de complemento ou expansão de minha aura vital. Sem pretensão a envolvências.

Aprecio muito a sua inclinação a viver em estado de busca. Você é uma espécie de aprendência-em-ato. Creio que com isso faz bem aos outros.

Com minha gratidão pelo ânimo parceiro, toda vez que lhe solicitei.

Um abraço, Hugo Assmann.

02.12.2004

Meus melhores votos!

(dedicatória e autógrafo no livro "Curiosidade e Prazer de Aprender: o papel da curiosidade na aprendizagem criativa" de Hugo Assmann - Editora Vozes - Nov/2004)

26 November 2004

John Dewey

John Dewey (1859 ~ 1952)

Filósofo, psicologista e educador que foi um dos fundadores da escola filosófica do Pragmatismo, um pioneiro da psicologia funcional e o grande representante do movimento progressista da educação nos Estados Unidos.

Seu trabalho de doutorado na Universidade John Hopkins (1882-84) o conduziu a professor de filosofia na Universidade de Chicago, onde realizou seus "Estudos em Teoria Lógica" (1903).

Dewey constituiu (1986) a famosa "Escola Laboratório", em Chicago, quando escreveu o livro "A Escola e a Sociedade" (1899).

Em 1904 transferiu-se para a Universidade de Columbia, em Nova Iorque, onde escreveu o clássico "Experiência e Natureza" (1925). Esteve associado a esta universidade por 47 anos, dos quais 25 como ativo professor.

25 November 2004

O que suporta o mundo?

São as palavras que suportam o mundo,
não os ombros como alguns pensam.

Sem os "porque" e os "sim"
todos os ombros afundariam juntos.


(baseado em Paulo Henriques Britto)

24 November 2004

Eu e meus livros

Estou me matando pra terminar a leitura do livro sobre Baudelaire... É intetessante em quantas situações diversas eu me coloco, quando decido ler um certo livro.
Alguns dos meus livros eu não posso abrir logo de manhã cedo porque passo mal. Eu não posso ler mem a primeira linha, porque se me atrever, corro o risco de nunca mais continuar a leitura devido a este simples lapso. Alguns livros eu consigo ler em qualquer lugar. Outros, eu tento fazer o tempo voar para poder voltar logo para casa e mergulhar na leitura.
Alguns dos meus livros eu não consigo ler sem estar comendo. Outros, se uma simples gota de água tocar a superfície, eu começo a circular pela casa gritando “Que burra que você é!!!”
Alguns deles não me importo de emprestar. Alguns outros eu não deixo nem que as pessoas saibam que os tenho.
Alguns deles eu tenho que ler com a TV ligada. Alguns outros eu tenho que controlar a respiração para poder me manter atenta.
Alguns dos meus livros simplesmente vêm às minhas mãos quando entro numa livraria. Outros levo séculos para descobri-los.
Alguns dos meus livros ensinam-me sobre a vida. Alguns dos meus livros são como fugir da vida.
Alguns dos meus livros eu não manterei por muito tempo. Alguns outros eu jamais os deixarei ir.
Alguns dos meus livros me falarão de mim. Todos os meus livros falam de mim.

Natália Canto, de Londres (tradução de Giba Canto)

25 October 2004

NEM TUDO É FÁCIL

É difícil fazer alguém feliz,
assim como é fácil fazer triste.

É difícil dizer eu te amo,

assim como é fácil não dizer nada.

É difícil ser fiel,
assim como é fácil se aventurar.

É difícil valorizar um amor,
assim como é fácil perdê-lo para sempre.

É difícil agradecer pelo dia de hoje,
assim como é fácil viver mais um dia.

É difícil enxergar o que a vida traz de bom,
assim como é fácil fechar os olhos e atravessar a rua.

É difícil se convencer de que se é feliz,
assim como é fácil achar que sempre falta algo.

É difícil fazer alguém sorrir,
assim como é fácil fazer chorar.

É difícil colocar-se no lugar de alguém,
assim como é fácil olhar para o próprio umbigo.

É difícil pedir perdão?
Mas quem disse que é fácil ser perdoado?
Se alguém errou com você, perdoa-o...
É difícil perdoar?

Mas quem disse que é fácil se arrepender?
Se você sente algo, diga...
É difícil se abrir?


Mas quem disse que é fácil encontrar
alguém que queira escutar?
Se alguém reclama de você, ouça...
É difícil ouvir certas coisas?
Mas quem disse que é fácil ouvir você?!

Se alguém te ama, ame-o...
É difícil entregar-se?
Mas quem disse que é fácil ser feliz?
Nem tudo é fácil na vida...

Mas, com certeza, nada é impossível...
Precisamos acreditar, ter fé e lutar
para que não apenas sonhemos,
mas também tornemos todos estes desejos,
realidade!

Cecília Meirelles

24 October 2004

Cartas aos jovens

Contardo Calligaris acaba de publicar Cartas a um jovem terapeuta (Alegro, 2004).

Estou lendo de alegre, pois nem mais tão jovem sou, nem jamais fui terapeuta (e muito menos aspiro a ser, embora possa imaginar, na linha das hipóteses descartáveis, que algum talento teria para a profissão).

Mesmo sem ser o melhor destinatário das cartas em questão, sinto-me inspirado por elas, lembrando as insuperáveis Cartas a um jovem poeta, de Rilke, título que vem à mente de imediato.

Há no mercado dezenas de livros em forma de cartas a outros jovens, poetas ou terapeutas. Antes de Calligaris, Marialzira Perestrelo publicou Cartas a um jovem psicanalista e, numa rápida pesquisa, encontrei uma certa Mary Pipher, autora de Letters to a Young Therapist: Stories of Hope and Healing.

Os jovens do Brasil e do mundo devem estar sedentos pela leitura de cartas, porque a pesquisa continua e não paro de encontrá-las.

Renato Bernhoeft escreveu Cartas a um jovem herdeiro. Será que este jovem, quando estiver mais velho, deixará esse livro como herança para os seus?

Cartas a um jovem chef, de Laurent Suaudeau, parece ser uma leitura saborosa. Garçom, por favor!

O conhecido sociólogo francês Alain Touraine lançou, nos anos 70, Cartas a uma jovem socióloga, em que o mestre recomenda: "é preciso abandonar as utopias e profecias, ainda que catastróficas, para analisar o movimento, desconcertante mas real, das relações sociais".

Em 1997, surgiu, com a assinatura de Vargas Llosa, o Cartas a un novelista, não traduzido entre nós, mas que em inglês saiu como Letters to a Young Novelist. Lá, as perguntas de sempre. Como se tornar escritor? De onde saem as histórias? Como usar o material autobiográfico? Como "funciona" a responsabilidade do escritor?

Precisamos publicar cartas e mais cartas a tantos jovens leitores!

Cartas a um jovem jazzista, para que improvise na leitura.

Cartas a um jovem racista, para que saia da leitura com um sorriso amarelo...

Cartas a um jovem nazista, para que se dê conta da história.

Cartas a um jovem artista, para que entre na história com tudo a que tem direito.

Cartas a um jovem advogado, para que não faça das leis a suma injustiça.

Cartas a um jovem drogado, para que se vicie na liberdade.

Cartas, cartas, cartas, cartas!


Gabriel Perissé (coordenador pedagógico do Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa)

23 October 2004

Por que nos comunicamos?

Comunicamo-nos porque temos carências, porque precisamos de muitas informações, preencher desejos, expectativas, acalmar nossos medos.

Comunicamo-nos na busca de integrar o eu dividido, as tensões que nos dispersam, os antagonismos que nos puxam em várias direções.

Comunicamo-nos na busca da integração de todas as dimensões dentro e fora de nós, do pessoal, passando pelo grupal até chegar ao estrutural.

Comunicamo-nos para fugir da solidão, porque nos sentimos sós, profundamente sós nos momentos decisivos - ao nascer, ao morrer e diante das muitas escolhas que vamos realizando ao longo da vida.

Comunicamo-nos para humanizar-nos, para conseguir tornar-nos mais equilibrados, abertos, sensíveis, positivos.

Comunicamo-nos para aprender, para desenvolver nossas melhores qualidades pessoais, profissionais, emocionais, familiares, estéticas.

Comunicamo-nos para sermos mais livres, menos dependentes do que nos escraviza: dinheiro, bens materiais, dependências emocionais, pessoas controladoras.

Comunicamo-nos para sermos felizes, para realizar as nossas verdadeiras possibilidades e ajudar para que outros também as realizem.

Comunicamo-nos para sentir o prazer de estarmos juntos; para realizar-nos em todos os níveis possíveis - no emocional, no intelectual, no familiar, no profissional.

Comunicamo-nos para mostrar aos outros que temos valor e para sentir-nos valorizados, acolhidos, produtivos.

Comunicamo-nos para inserir-nos, para sermos aceitos e interagir em vários espaços significativos, em vários tipos de "comunidades":

- comunidades de afeto e segurança (amizade, família);
- comunidades de trabalho, de aprendizagem, de lazer, de fé;
- comunidades locais, nacionais e internacionais;
- comunidades presenciais e virtuais.

Comunicamo-nos tentando entender o que estamos fazendo aqui na terra, na busca de um sentido para o caos e incertezas do nosso cotidiano.

Comunicamo-nos na busca das explicações fundamentais: De onde viemos? Para onde vamos? O que está além do que vemos?

Comunicamo-nos para tentar enfrentar a pedra de toque da nossa existência, que é a morte, ao percebermos a inexorabilidade do fim da nossa vida, apesar de tantos avanços da ciência.

Queremos saber se temos alguma chance de continuar existindo além da nossa vida física, se há uma lógica neste gigantesco universo que expresse de forma mais atual a idéia de um Deus, de uma grande Força.

Comunicamo-nos para vivenciar
todas as formas de amor.

José Manuel Moran - ECA-USP

22 October 2004

Comunicar é compartilhar

Na comunicação compartilho, troco, interajo - ajo em conjunto com - por meio das palavras, do olhar, dos gestos, explícitos e implícitos.

Essa ação minha provoca uma ação no outro, que se torna re-ação, ação de volta, que confirma ou neutraliza a minha ação anterior.

Se eu me sinto confirmado tenderei a ampliar a interação, a querer trocar níveis mais complexos de informação, de sentimento.

Se o interlocutor me confirma essa nova etapa, ampliando o seu campo de interação comigo, aumentarão progressivamente os níveis, a abrangência e a freqüência da comunicação.

Se, pelo contrário, a cada proposta minha de interação, recebo uma resposta crítica, negativa, desqualificadora, procurarei diminuir a aproximação com ele, adotando uma atitude de defesa ou de fuga.

Muitas formas de comunicação se baseiam em trocas "comerciais", de intercâmbio de bens: eu ofereço algo a alguém em troca de algo que ele me dá (um serviço, por dinheiro). Há outras formas de comunicação em que a troca está mais ligada ao afeto, ao vínculo que se estabelece, ao prazer de estarmos juntos, à intimidade que se cria entre duas ou mais pessoas (relações de amizade).

O compartilhamento aumenta quando julgamos menos e nos aproximamos mais; quando vemos, em primeiro lugar, o que temos em comum, o que nos une, as perspectivas que nos complementam. O compartilhamento aumenta se, quando há discordâncias, não fazemos delas o eixo da nossa ação; se podemos discordar sem agredir, sem machucar, sem humilhar,sem alimentar ressentimentos.

José Manuel Moran - ECA-USP

21 October 2004

O difícil facilitário do verbo ouvir

"Um dos maiores problemas de comunicação, tanto a de massas como a inter-pessoal, é o de como o receptor, ou seja, o outro, ouve o que o emissor, ou seja, a pessoa, falou.

Numa mesma cena de telenovela, notícia de telejornal, num simples papo ou discussão, observo que a mesma frase permite diferentes níveis de entendimento.

Na conversação dá-se o mesmo. Raras, raríssimas, são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra está dizendo.

Diante desse quadro venho desenvolvendo uma série de observações e como ando bastante entusiasmado com a formulação delas, divido-as com o competente eleitorado que, por certo, me ajudará passando-me as pesquisas que tenha a respeito.

Observe que:

1) Em geral o receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que o outro não está dizendo.

2) O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que quer ouvir.

3) O receptor não ouve o que o outro fala. Ele ouve o que já escutara antes e coloca o que o outro está falando naquilo que se acostumou a ouvir.

4) O receptor não ouve o que o outro fala. Ele ouve o que imagina que o outro ia falar.

5) Numa discussão, em geral, os discutidores não ouvem o que o outro está falando. Eles ouvem quase que só o que estão pensando para dizer em seguida.

6) O receptor não ouve o que o outro fala. Ele ouve o que gostaria ou de ouvir ou que o outro dissesse.

7) A pessoa não ouve o que a outra fala. Ela ouve o que está sentindo.

8) A pessoa não ouve o que a outra fala. Ela ouve o que já pensava a respeito daquilo que a outra está falando.

9) A pessoa não ouve o que a outra está falando. Ela retira da fala da outra apenas as partes que tenham a ver com ela e a emocionem, agradem ou molestem.

10) A pessoa não ouve o que a outra está falando. Ouve o que confirme ou rejeite o seu próprio pensamento. Vale dizer, ela transforma o que a outra está falando em objeto de concordância ou discordância.

11) A pessoa não ouve o que a outra está falando: ouve o que possa se adaptar ao impulso de amor, raiva ou ódio que já sentia pela outra.

12) A pessoa não ouve o que a outra fala. Ouve da fala dela apenas aqueles pontos que possam fazer sentido para as idéias e pontos de vista que no momento a estejam influenciando ou tocando mais diretamente.

Esses doze pontos mostram como é raro e difícil conversar. Como é raro e difícil se comunicar! O que há, em geral, são monólogos simultâneos trocados à guisa de conversa, ou são monólogos paralelos, à guisa de diálogo. O próprio diálogo pode haver sem que, necessariamente, haja comunicação. Pode haver até um conhecimento a dois sem que necessariamente haja comunicação. Esta só se dá quando ambos os pólos ouvem-se, não, é claro, no sentido material de "escutar", mas no sentido de procurar compreender em sua extensão e profundidade o que o outro está dizendo.

Ouvir, portanto, é muito raro. É necessário limpar a mente de todos os ruídos e interferências do próprio pensamento durante a fala alheia.

Ouvir implica uma entrega ao outro, uma diluição nele. Daí a dificuldade de as pessoas inteligentes efetivamente ouvirem. A sua inteligência em funcionamento permanente, o seu hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar tudo interferem como um ruído na plena recepção daquilo que o outro está falando.

Não é só a inteligência a atrapalhar a plena audiência. Outros elementos perturbam o ato de ouvir. Um deles é o mecanismo de defesa. Há pessoas que se defendem de ouvir o que as outras estão dizendo, por verdadeiro pavor inconsciente de se perderem a si mesmas. Elas precisam "não ouvir" porque "não ouvindo" livram-se da retificação dos próprios pontos de vista, da aceitação de realidades diferentes das próprias, de verdades idem, e assim por diante. Livra-se do novo, que é saúde, mas as apavora. Não é, pois, um sólido mecanismo de defesa.

Ouvir é um grande desafio. Desafio de abertura interior; de impulso na direção do próximo, de comunhão com ele, de aceitação dele como é e como pensa. Ouvir é proeza, ouvir é raridade.

Ouvir é ato de sabedoria.

Depois que a pessoa aprende a ouvir ela passa a fazer descobertas incríveis escondidas ou patentes em tudo aquilo que os outros estão dizendo a propósito de falar."

Artur da Távola

20 October 2004

O nó do afeto

Em uma reunião de pais, numa escola da periferia, a diretora ressaltava o apoio que os pais devem dar aos filhos; pedia-lhes também que se fizessem presentes o máximo de tempo possível ...

Ela entendia que, embora a maioria dos pais e mães daquela comunidade trabalhassem fora, deveriam achar um tempinho para se dedicar e entenderas crianças.

Mas a diretora ficou muito surpresa quando um pai se levantou e explicou, com seu jeito humilde, que ele não tinha tempo de falar com o filho, nem de vê-lo, durante a semana, porque, quando ele saía para trabalhar, era muito cedo, e o filho ainda estava dormindo. Quando voltava do serviço, já era muito tarde, e o garoto não estava mais acordado. Explicou, ainda, que tinha de trabalhar assim para prover o sustento da família, mas também contou que isso o deixava angustiado por não ter tempo para o filho e que tentava se redimir, indo beijá-lo todas as noites quando chegava em casa. E, para que o filho soubesse da sua presença, ele dava um nó na ponta do lençol que o cobria.

Isso acontecia religiosamente todas as noites quando ia beijá-lo. Quando o filho acordava e via o nó, sabia, através dele, que o pai tinha estado alí e o havia beijado. O nó era o meio de comunicação entre eles.

A diretora emocionou-se com aquela singela história e ficou surpresa quando constatou que o filho desse pai era um dos melhores alunos da escola.

O fato nos faz refletir sobre as muitas maneiras de as pessoas se fazerem presentes, de se comunicarem com os outros. Aquele pai encontrou a sua, que era simples, mas eficiente. E o mais importante é que o filho percebia, através do nó afetivo, o que o pai estava lhe dizendo. Por vezes, nos importamos tanto com a forma de dizer as coisas e esquecemos o principal, que é a comunicação através do sentimento; simples gestos como um beijo e um nó na ponta do lençol, valiam, para aquele filho, muito mais do que presentes ou desculpas vazias.

É válido que nos preocupemos com as pessoas, mas é importante que elas saibam, que elas sintam isso. Para que haja a comunicação é preciso que as pessoas "ouçam" a linguagem do nosso coração, pois, em matéria de afeto, os sentimentos sempre falam mais alto que as palavras. É por essa razão que um beijo, revestido do mais puro afeto, cura a dor de cabeça, o arranhão no joelho, o medo do escuro.

As pessoas podem não entender o significado de muitas palavras, mas sabem registrar um gesto de amor. Mesmo que esse gesto seja apenas um nó ...

Um nó cheio de afeto e carinho.

ESTE É O MEU NÓ PARA VOCÊ

19 October 2004

Meu amigo virtual

Meu amigo virtual é diferente...
Ele não olha nos meus olhos,
ele vê meu coração...

Meu amigo virtual é diferente...
Ele não percebe as minhas lágrimas,
percebe o momento de me confortar...

Meu amigo virtual é diferente...
Ele não sorri,
ele me faz sorrir...


Amigo virtual...
tu não sabes, mas te procuro sempre...
tu não sabes, mas fico feliz quando vens...

Olho para ti na expectativa de um sorriso...
Te espero assim como o sol espera pelo amanhecer...
Te espero assim como a lua espera pela noite...
Certa que virá!

Não me importo se vens através de telas...
o que me importa é que venhas...

Não sei porque te escolhi como amigo...
Tuas letrinhas são iguais a de todos os outros,
apenas tuas palavras são mais firmes...

Tu consegues me fazer acreditar.
Talvez não saibas, mas quando me falas...
Quando brincas comigo...
Quando me escutas...
Quando me amas...
exerces a nobre tarefa de um amigo Real.

Assim cativas-me...
Escuto teu sorriso através dos sons do teclado.
Ouço teu coração através do meu coração...
Sinto tua alegria através da minha alegria...

Nunca deixes de vir...


[suplemento]
Só conhecemos a importância dos verdadeiros amigos,
quando começamos a perceber sua ausência,
quando chamamos por todos, e somente ele vem...
Existirá algo mais agradável do que ter alguém
com quem falar de tudo
como se estivéssemos falando conosco mesmos?
(Cícero)

18 October 2004

Anoitece

A noite tece em mim
Asas
Razão dissipada

O sonho adormece calado
Em volta de mim
Fumaça
Me embriaga
Como o ópio
De outros tempos

Lentamente,
Torpor

Finíssimos fios
Guardam
O corpo inerte

Ninfa liberta
Viajo
Para além, muito além do planeta

(de Rita Canto - 09.03.00)

Plegaria Del estudante

Por qué me impones
lo que sabes
si quiero yo aprender
lo desconecido
y ser fuente
en mi proprio descrubrimiento?

El mundo de tu verdad
es mi tragedia;
tu sabiduria,
mi negación;
tu conquista,
mi ausencia;
tu hacer,
mi destruición.

No es la bomba lo que me mata;
el fusil hiere,
mutila y acaba,
el gas envenena,
aniquila y suprime,

pero la verdad
seca mi boca,
apaga mi pensamiento
y niega mi poesia,
me hace antes de ser.

(Humberto Maturana en "El sentido de lo humano")

MUDE!

Mas comece devagar, porque a direção
é mais importante que a velocidade.
Mude de caminho, ande por outras ruas,
observando os lugares por onde você passa.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Descubra novos horizontes.

Não faça do hábito um estilo de vida.

Ame a novidade.
Tente o novo todo dia.
O novo lado, o novo método, o novo sabor,
o novo jeito, o novo prazer, o novo amor.
Busque novos amigos, tente novos amores.
Faça novas relações.
Experimente a gostosura da surpresa.
Troque esse monte de medo por um pouco de vida.
Ame muito, cada vez mais, e de modos diferentes.
Troque de bolsa, de carteira, de malas, de atitude.

(de Cecília Meirelles)

16 October 2004

Carlos Drummond de Andrade[1]

Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas mas das coisas
que foram sonhadas e não se cumpriram.
Por que sofremos tanto por amor?

O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer
por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou
em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por
um tempo razoável, um tempo feliz. Sofremos por quê?

Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado
e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas,
por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido
ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os
filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos,
por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos
de ter compartilhado, e não compartilhamos.

Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga
pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de
ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para
nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas
por todos os momentos em que poderíamos estar
confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se
ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia
sufocada. Sofremos não porque envelhecemos, mas porque
o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim
que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as
quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Como aliviar a dor do que não foi vivido?

A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos
e vivendo mais! A cada dia que vivo, mais me convenço de que o
desperdício da vida está no amor que não damos, nas
forças que não usamos, na prudência egoísta que nada
arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos
também a felicidade.

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional.

15 October 2004

Ensinar é luta, arte e prazer

Gabriel Perissé(*)

Ensinar-estudar é uma luta. Não luta de boxe de professor contra aluno, naturalmente, mas luta corpo-a-corpo de todos contra o espírito de porco, contra aqueles que são do contra, contra aqueles que não sabem lutar a favor.
Luta desarmada contra armas secretas. Luta contra a falta de tantas coisas que fariam do ensinar-estudar um momento de paz; coisas simples como, às vezes, um pouco mais de respeito entre aqueles que ensinam, entre aqueles que estudam, e dos que estudam com os que ensinam, e vice-versa.
Lutar com palavras é a luta do ensino, e essa luta não é vã, não é inútil. Mal rompe a manhã ou mal desponta a lua, centenas, milhares, milhões de pessoas vão à luta nas escolas, nas faculdades, combatentes de todas as idades, luta dia-a-dia, noite-a-noite.
Luta desigual para que todos tenhamos condições iguais de lutar por uma vida melhor.
Mas ensinar-estudar é também uma arte. Arte de ouvir e falar, de calar e refletir, de perguntar e responder, de olhar e ver, de dialogar e refazer, de aprovar e compreender mais do que punir e repreender.
Os artistas do ensinar-estudar fazem teatro, vivem o drama, a tragédia, a comédia, e não querem fazer média consigo mesmos. Querem interpretar novos papéis para serem o que realmente são.
Esses artistas das salas de aula pintam quadros em que se retratam, retratando o que desejam viver, a profissão que desejam colorir, o conhecimento que desejam descobrir, as idéias surrealistas que desejam pôr em prática.
Ensinar-estudar é uma arte com escritores de todos os textos, escultores de todos os objetos, músicos de todas as melodias, dançarinos de todos os ritmos,cineastas de todas as cenas.
E, sendo luta e arte, ensinar-estudar é também prazer.
Muito prazer, apesar dos pesares.
Percorridos os desertos, prazer é encontrar a fonte da água mais leve, e beber o resultado de tantos esforços.
Prazer é o aluno, tenha a idade que tiver, escrever seu nome com todas as letras, e os pingos nos "is".
Prazer é o professor rever, depois de tantos anos, em rostos de mulheres e homens, os mesmos traços das crianças de outros tempos.
Prazer é entender que ensinar-estudar constitui tarefa para toda a vida e, provavelmente, para além da morte.

(*) Doutor em Filosofia da Educação (USP) e Coordenador do Ipep (Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa)

14 October 2004

Fernando Sabino [1]


De tudo ficaram três coisas...
A certeza de que estamos começando...
A certeza de que é preciso continuar...
A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar...
Façamos da interrupção um caminho novo...
Da queda, um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro!

Nasci homem, morro menino.

Fernando Sabino - 12/10/1923 - 11/10/2004


12 October 2004

Professor, diz-me por quê?

de Cecília Meirelles


Professor diz-me por que?
Por que roda o meu pião?
Ele não tem roda
e roda, gira, rodopia
e cai morto no chão...

Tenho nove anos, professor
e há tanto mistério à minha roda
que eu queria desvendar
Por que é que o carro é azul?
Por que é que marulha o mar?
Por quê?
Tantos porquês que eu ...
eu queria saber!
E tu que não me queres responder!

Tu falas, falas professor daquilo que te interessa.
Tu obrigas-me a ouvir
quando eu quero falar,
se eu vou descobrir
faz-me decorar!
É a luta professor
a luta em vez do amor....

mas,
enquanto tua voz zangada ralha
tu sabes, professor,
eu fecho-me por dentro,
faço uma cara resignada
e finjo que não penso em nada,
mas penso...

Penso em como era engraçada
aquela rã
que esta manhã ouvi coaxar...
Que graça que tinha
aquela andorinha
que ontem à tarde vi passar.

E quando tu podei vens definir
o que são conjuntos e preposições,
quando me fazes repetir
que os corações
tem duas aurículas e dois ventrículos
e tantas
tantas mais definições...

Meu coração, o meu coração
Que não sei como é feito
E nem quero saber...
Cresce dentro do peito
A querer saltar pra fora, professor
E ver se tu assim compreenderias
E me farias mais belos os dias!

11 October 2004

Sons urbanos

by Rita Canto

Já não se ouve mais
o quebrar das ondas do mar
o canto alegre dos pássaros
o bater surdo do tambor...

Ruído da multidão
aflita
pisada
violentada...

Motor rouco
dos carros
turbina
dos aviões.

Tristes sons
urbanos.

10 October 2004

Ouvir a própria voz gravada

Ao ouvir a nossa voz gravada ficamos chocados: esse aí sou eu?

Será que o equipamento está distorcendo a minha voz?

A voz sempre nos parece muito alta ou muito fina, muito lenta ou muito rápida, mal colocada, mal impostada, comemos palavras e sílabas. Você não reconhece nem o timbre nem a maneira de falar, não é?

A gravação representa bem a maneira que os outros falam e, para a nossa voz, a gente acha que o microfone ou o gravador não são bons.

Você sabe que foi você quem disse aquelas palavras e frases, sabe que foi você quem disse aquilo mas é como se ouvisse aquilo de um outro ângulo. Aquele não é você, é você e não é você! Você, então, cai num vazio, numa fissura que se abriu de repente.

Você se conhece "de dentro" e agora passa a perceber o "exterior", aquilo que os outros escutam de você.

Os profissionais de rádio conhecem a própria voz de trás para frente, e como estão acostumados a se ouvir, não se surpreendem mais, não sentem aquele mal-estar que sentimos na primeira vez em que escutamos a nossa voz, da forma como os outros nos ouvem.

As máquinas modernas possibilitam este descentramento, nos permitem ouvir a nós mesmos.

Não se trata de sair de si mesmo, mas de confirmar que desconhecemos muitas das nossas características humanas; devemos estar conscientes disto para não nos julgarmos sabedores de tudo. Os equipamentos modernos nos ajudam a questionar e a conhecer como os outros nos vêem.

Considerando este exemplo, podemos também pensar que isto deve ocorrer com o nosso comportamento e com os nossos pensamentos.

(texto baseado em texto de Roger-Pol Droit)

09 October 2004

origem do nome[1]

GILBERTO: Deriva dall'antico teutonico gisal e bert e significa "nobile ostaggio".

L'onomastico è tradizionalmente festeggiato il 4 febbraio in memoria di san gilberto di Sempringham, vissuto in Inghilterra tra il 1083 ed il 1189 ed invocato contro l'idropisia e l'isterismo.

Ícone[1]

O único modo de comunicar diretamente
uma idéia é por meio de um ícone.
(Charles Sanders Peirce)